Viva o Povo Brasileiro
- Frank Abreu
- 7 de jan. de 2024
- 2 min de leitura

Quando pensou em levar para o teatro o romance Viva o Povo Brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro, o diretor André Paes Leme entendeu que um único espetáculo não daria conta do extenso arco histórico percorrido pelo livro. Uma boa adaptação renderia, no mínimo, uma trilogia. A primeira parte deste projeto é o musical Viva o Povo Brasileiro - de Naê à Dafé.
O espetáculo nos leva para os anos 1800, em pleno Recôncavo Baiano. Ali conhecemos um dos personagens mais escrotos da literatura brasileira: Perilo Ambrósio, Barão de Pirapuama, empresário no ramo da pesca à baleia e senhor de muitas pessoas escravizadas.
Perilo Ambrósio estupra Naê, sua escrava, e em seguida ordena que ela seja levada para longe de suas terras, dando-lhe carta de alforria. Meses depois, Naê dá à luz uma menina chamada Dafé, fruto da violência sofrida.
As histórias dos muitos personagens que circundam Naê e Dafé dão corpo à dramaturgia da peça que se apoia num tripé formado pelas letras das canções, monólogos e alguns poucos diálogos. Os monólogos são em terceira pessoa, ou seja, os personagens contam o que está acontecendo como se fossem narradores. Tal recurso dá agilidade e clareza ao grande número de episódios que se espalham numa larga faixa de tempo.
Falta espaço neste curto comentário para elogiar a excelência musical do espetáculo. As 28 canções da peça foram compostas por Chico César, arranjadas por João Milet Meirelles (BaianaSystem) e interpretadas com brilho pelos atores e atrizes que são acompanhados no palco por ótimos músicos.
A beleza de Viva o Povo Brasileiro - de Naê à Dafé também está em nossa língua portuguesa, tão enriquecida pelos falares africanos a ponto de Caetano W. Galindo chamá-la de “pretoguês”. E é com um trecho de Latim em Pó, livro de Galindo, que encerro este meu comentário:
“Eu daqui me despeço e te digo em bom latim clássico (saluare) mastigado pela plebe do Império Romano (salvare), estropiado pelos celtiberos, desentendido pelos germânicos, tingido pelos árabes (salvar), imposto aos indígenas da América (sarvá) e finalmente alterado pelos padrões silábicos dos idiomas de negros africanos: Saravá.”
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Viva o Povo Brasileiro - de Naê à Dafé foi assistida em 5 de janeiro de 2024 no Sesc 14 Bis.